Reflete-se em estilhaços de vidro quem se vê inteiro, aos bocados.
São-lhe os olhos fragmentos da íris, qual vitral gótico antigo e arcaico.
O escalpe, exibido como troféu à mente, vê-se tombado e pisado no chão.
A boca torcida, (e as palavras dela vindo tortas)
E as orelhas enfiadas nas costas escutando sons que já se ouviram
E o nariz ao contrário, cheirando não a terra mas o céu.
Olha-se para dentro.
A cabeça a latejar obscuridades e putaria
E o coração (...)
Que febre que me arde pelas têmporas
Qual pirotecnia cerebral.
E estronda, e arrebenta,
E ouço risos de quem festeja
A morte das estrelas pelo artificial.
Como os vejo correr, os mais novos desalmados atrás do fogo
E como se queimam, ao aproximar as mãos à chama
E como gritam e como eu os gosto de ouvir guinchar!
Vai o velho sacudir-lhes as cinzas dos corpos
E vão eles junto das cinzas.
O que me regozijo ao vê-los curvados e negros
E vida a ir, como veio, num (...)
Oh lá! Como vão eles de narizes prostrados no ventre Olhando para coisa nenhuma que lhes brilha (n)os olhos!
E quantos não vão mortos, mesmo de olhos abertos E narizes empinados, escutando o vizinho Em confidência com a amante!
Fecha-se com um estrondo, e segue caminho Velha e ferrugenta gerigonça Transportando velhos e ferrugentos.
E eu vou dentro!
Roi-me a alma à mesquinhice. Rasgo a carne e esventro-me; Cai-me as tripas, esvaio sangue nas gentes!
Ainda (...)
Iluminada pelo brilho da lua
A noite vê-se prolongada por mais umas horas.
Em cima de uma mesa de cabeceira,
Onde o luar penetrante rompe entre o tecido das cortinas
E lhe faz presença,
Está um relógio prateado revelando o tempo.
Quatro e cinquenta
Marcou ao ser levado ao bolso.
Entre a jaqueta operária
E um coração agitado,
Deixa-se transportar aconchegada a prata.
Nuns sapatos gastos mas de sola reforçada
Apressa-se também quem o tempo carrega na algibeira.
Ah (...)
Gostava de não saber ler.
Tão pouco conhecer uma língua e a escrever.
Assim, para realmente viver,
E o esplendor da vida (re)conhecer.
É engraçado, esta estória de querer,
Faz-se-lo tanto sem nada temer,
Não receando o fracasso ou o conceber:
Na mente está tudo o que se quer...
Na poesia o homem é Deus.
Criador de tudo,
Observador de nada.
Mais não é que a mão autora
De um mundo que concebeu.
É tão simples, um risco desenhar,
Uma palavra surgir;
Um (...)
Porquê, palavras. Porque não se agarram a mim?
Porque me abandonam e deixam cá um motim?
Foi algo que fiz, vos ofendi?
Peço desculpa...
Mas nem isso consigo pedir, sem vocês por aqui.
Preciso de vós, só mais uma vez...
Uma única e deixo-vos a sós.
E que sejam o que quiserem depois,
Mas que sejam isto agora,
E para sempre se moldem.
Só vos utilizo em indelicadas poesias,
Em melódicas prosas,
E vós teimando em ser mais!
Mas porque tanto a mim me pedem
E (...)
Fará a poesia um homem
Erguer-se nos dois membros
E gritar aos sete ventos
Os seus sonhos que nas estrelas dormem?
Choverá tristemente o céu
Aquando numa relação o amor termina,
Ou associa o homem o breu
À sua história, contada através de lágrimas derramadas numa infortuna página?
Correrão todos os rios vindos de imaculadas nascentes
Por onde bebem os homens o seu engenho e arte?
Se não, onde de imaginação se abastecem estes, navegando pujantes
Das (...)
Os ventos contorcem-se e brigam
Qual tornado devastador
Que me atormenta a alma.
Não se corre mais atrás do vento,
Não se vive mais a sua brisa fresca.
O vento é agora nosso inimigo
Pois é visão de liberdade e essa não existe.
Os tempos de infância perderam-se...
Chama-se hoje viver segurar num leme
E seguir a corrente...
Aprumar as velas a favor do vento e velar.
E eu? Que neste tornado me encontro, sigo-te
Oh imparável?
Mesmo que quisesse, nunca (...)
Colhidas tenras do solo
Trocam as raízes pela saudade,
Vivendo da ternura
Que o tempo não apaga de quem amou.
Não nos chegam apenas dos jardins
Delicados e doces perfumes,
Ou arco íris de cores onde se fazem as flores
Vestido para a Primavera.
Em sorrisos abertos,
Envergonhados ou mesmo sem felicidade,
A sua entrega guarda no tempo o momento
Em que uma flor te encostou nos lábios
Onde te viu o peito aberto e lá fez casa.
São elas lágrimas, ápices de (...)
Sentado numa esplanada observo em redor.
Que há para ver?
Nada.
Fito um copo cheio que me foi servido,
Se tal pedi é me desconhecido.
O conteúdo, contudo, deixa um travo que me é famoso;
Sinto-lhe o veneno temporal, que, caindo-me no estômago
Me interroga do passado...
O sol certamente expõe-se algures,
São cinco horas da tarde (assim o relógio marca),
Porém não se consegue avistar em qualquer lado;
Tapa-lhe o brilho os prédios
Que por mais altos não (...)