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Fui. Sou. Serei...

Pensamentos do (meu) mundo.

Fui. Sou. Serei...

Pensamentos do (meu) mundo.

05.Ago.23

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Francisco
Chegou-me a morte figurada. Cruzou-se comigo, na mesma estrada Atribulada de gente, Surgindo de relance num penhasco pungente Que as levou a todas, sobrando eu e o nada.   Um casal cumprimentou-me, alheio à minha alma; Ele um velhote, de bengala e calma, Ela uma idosa de peito carregado. Segurava-o pelo braço rogado Como se lhe pesasse ali uma querida agalma.   Por mim vararam, naquele acenar matinal Que não respondi de volta, feito marginal Que não lhe coube os bons (...)
30.Jul.23

Apoteose do cansaço

Francisco
Se de todo começo, hei-de lhe dar fim. Obra incompleta é leitura que inicia e finda, E eu, por ser matéria física; Sabendo-o por ninguém, também matéria física, me ocupar o mesmo assento --- Haverei de deixar de ser, se coisa for, realmente, Sem ter que me dar ao dissabor da vida.   Pertence-me uma certidão de nascimento, Se mais tive, não quero saber que nasci mais vezes Por serem mais mortes, também, que me levariam as vidas. Cansa-me pensar na derradeira, Na que (...)
23.Jun.23

Antiguidade intrínseca

Francisco
Desperta-se-me a alma Recolhida em trapos cobrindo-lhe a nudez. Sonho atribulado de onde retorna Ao se ver, agora, fora de si mesma.   Foi-lhe tecido em mãos idosas O cobertor com que se agasalha. Fado ingrato que se faz carga em ombros nus Sem quaisquer escrúpulos consequenciais da vida.   Predominante crise na sua própria existência Segrega-se em suores escorridos pela testa, Apoderando-se de efémeras vontades Febre aguda.   Mas como pode Vir das costureiras, (...)
12.Jun.23

De costas para o povo

Francisco
Hão de me assistir os anjos ao deambular pelas trevas, Vendo-me livre de um fustigo sinfónico Abraçando causas menos penosas?   Não me fiz esperar pela chama, Vai que me queima a fronte E febril doo a alma numa bandeja.   Sabe-me à noite o dia,  Mesmo ao descer em ruas não batizadas pela luz. Esplendores carnais afastam o nevoeiro Em ofícios noturnos Pondo-se-me a curiosidade em seus afazeres.   Esquino num choro Onde mãe, sem peito, cede-se a uma criança; La (...)
10.Jun.23

A orgia do fogo

Francisco
  Brame a chama Faúlhas ruivas em salpicos de excitação e desejo carnal, possesso à vontade de tocar em pele  Vencido por cousa nenhuma; Ó fogo voraz!   Untado em fogo da mente Faço-me fogo real! Oh lá, que se cheguem a mim faíscas, gasolinas e bebedeira --- Incendeiem-me e vejam o ímpeto de um homem Quando arde de verdade!   Como é grande o desejo; e eu maior que ele! Como não me pesas montando, e cavalitas em mim como uma criança cavalga um pónei E (...)
06.Jun.23

Não me assobies à noite

Francisco
Não me assobies à noite E me perturbes o sonho à febre, As estrelas cadentes - desejos tão próximos e fugazes - por astros de qualquer matéria ardente --- Os cabelos loiros que se entrelaçam com os meus na mesma almofada Pelo sol que me interrompe a privacidade, pela janela adentro! Os cânticos poéticos das musas que me chegam à alma Pelo chilrear estridente de coisas com asas E as melodias delas, donzelas da inspiração, por um carro de gado que me atravessa a estrada.   Dei (...)
04.Jun.23

Tragédia

Francisco
Finda mais uma noite de espetáculos, Desço do palco para os aposentos. A passo letárgico, como que movido pelo cansaço da representação Ou do receio de deixar de ouvir os aplausos, Retorno por diversas vezes o olhar ao cortinado Deparando-me com uma parede opaca  Que me sorri e acena, em jeito de despedida.   Em corredor comum com vista para as bancadas, Passeio os olhos nas pessoas que se levantam e saem Seguradas por mãos de cavalheiros, as donzelas, E segurando as (...)
19.Mai.23

Fogo de Artificio

Francisco
Que febre que me arde pelas têmporas  Qual pirotecnia cerebral. E estronda, e arrebenta, E ouço risos de quem festeja A morte das estrelas pelo artificial.   Como os vejo correr, os mais novos desalmados atrás do fogo E como se queimam, ao aproximar as mãos à chama E como gritam e como eu os gosto de ouvir guinchar!   Vai o velho sacudir-lhes as cinzas dos corpos E vão eles junto das cinzas. O que me regozijo ao vê-los curvados e negros E vida a ir, como veio, num (...)
16.Mai.23

Congestão

Francisco
Oh lá! Como vão eles de narizes prostrados no ventre Olhando para coisa nenhuma que lhes brilha (n)os olhos!   E quantos não vão mortos, mesmo de olhos abertos E narizes empinados, escutando o vizinho Em confidência com a amante!   Fecha-se com um estrondo, e segue caminho Velha e ferrugenta gerigonça Transportando velhos e ferrugentos.   E eu vou dentro!   Roi-me a alma à mesquinhice. Rasgo a carne e esventro-me; Cai-me as tripas, esvaio sangue nas gentes!   Ainda (...)
05.Mai.23

Relógio de bolso

Francisco
Iluminada pelo brilho da lua A noite vê-se prolongada por mais umas horas. Em cima de uma mesa de cabeceira, Onde o luar penetrante rompe entre o tecido das cortinas E lhe faz presença, Está um relógio prateado revelando o tempo. Quatro e cinquenta Marcou ao ser levado ao bolso.   Entre a jaqueta operária  E um coração agitado, Deixa-se transportar aconchegada a prata. Nuns sapatos gastos mas de sola reforçada Apressa-se também quem o tempo carrega na algibeira. Ah (...)